VENCI! Venci as 1227 páginas do primeiro volume de Guerra e Paz. Fascinantes, não obstante o cansaço de ficar tanto no mesmo livro. Parei alguns dias durante a leitura para ler outros dois livros menores – Hamlet e O Jantar – confesso, entretanto, que não via a hora de voltar aos personagens cuja vida seguia tão de perto. E é incrível como Tolstói os mantém impecavelmente concisos. O leitor os acompanha durante um período de dez anos e é perceptível seus amadurecimentos – ou enlouquecimentos no caso de alguns – e a evidência do primor da escrita do autor em demonstrar isto.

Tolstoy - War and Peace - ninth draft
Tolstoy – War and Peace – ninth draft

É claro, há passagens morosas em que o leitor se pergunta se é realmente necessário ocupar tantas páginas com assuntos que não afetam diretamente na história. Mas é preciso lembrar que naquele tempo não havia televisão ou internet, logo os autores tinham bastante tempo para se dedicar ao texto, tanto quanto os leitores para consumi-lo. Além disso, originalmente, Guerra e Paz foi publicado em formato de folhetim em periódicos da época. Então, possivelmente, o autor dava uma “enchidinha de linguiça” uma vez ou outra para cumprir as metas. Percebam, entretanto que mesmo que ele fizesse isso, sua lingüiça era feita de “carne nobre”, nunca enfraquecendo a narrativa original.

Como falei na Parte I desta resenha, o livro explora a vida da burguesia russa e sua decadência financeira e moral. Os soldados morriam na guerra e camponeses (ou mujiques, na tradição russa) passam fome:

“Vários feridos andavam pela estrada. Palavrões, gritos e lamentos fundiam-se num único rumor geral. O tiroteio silenciou, e, como Rostov veio a saber mais tarde, os soldados russo e os austríacos (que eram aliados) haviam trocado tiros uns com os outros.”

E, por sua vez, a burguesia trata de manter as aparências, dar festas, arranjar casamentos vantajosos e se entregar à luxúria e à cobiça:

“Pierre foi recebido por Anna Pavlovna, com um toque de tristeza. Pelo visto uma referência à perda recente que atingira o jovem. A morte do conde Bezukhov (todos, sem cessar, jogavam que era seu dever convencer Pierre que ele estava muito amargurado com a morte do pai, a quem ele quase não conhecera) – uma tristeza exatamente igual à tristeza majestosa que se exprimia quando ela se lembrava da muita augusta imperatriz Maria Fiódorovna.”

Surpreende a profundidade psíquica com a qual Tolstói disseca a psique de seus personagens. Os conflitos internos de cada um, desde aquele que luta para fazer o bem enquanto não resiste aos prazeres mais mundanos da vida e por isso sofre terrivelmente até o que tenta aderir à misantropia e como uma punição ao governo que odeia, liberta seus mujiques – trabalhadores praticamente escravos – e promove a inclusão social.

guerra e paz

A trama, como era de se esperar, flutua entre os períodos de guerra e paz, onde, durante a primeira, a burguesia – malta foco do romance – vive a agitação política deste período, procurando apenas formas de adquirir vantagens e cargos. Já durante a paz, deleita-se com a luxúria dos bailes, das paixões e do sexo.

Os conflitos externos, quero dizer, de uns personagens com os outros se dão sempre com base nos desentendimentos financeiros e amorosos. As obsessões por dinheiro e luxúria e a infidelidade são constantes. Os conflitos internos se dão em relação às questões filosóficas e religiosas. O tom oscila entre o trágico e o sarcástico durante toda a narrativa. Outra característica evidente do romance.

É incrível como mesmo se tratando de uma época distante (há duzentos anos), os conflitos, mesquinharias, desejos, sonhos e relações entre as pessoas são tão semelhantes às da nossa era. Salvo alguns pudores e costumes daquele século, ainda podemos identificar exatamente os mesmos comportamentos sociais em nossos dias.

Agora, depois de uma leitura tão longa e cansativa deste primeiro volume, não penso em outra coisa: começar o segundo!

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3 Replies to “Guerra e Paz, de Leon Tolstói – Parte II”

  1. OMG!!! Não acredito que encontrei um blog de leitura de verdade haha os leitores de hoje não se importam com clássicos! Amei a resenha! Comprei os volumes recentemente e não vejo a hora de devorá-los.

    Abraços 😉

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