Falar sobre Hamlet é, no mínimo, pretensão da minha parte. “Analisar” uma obra quase quincentenária, que já foi imitada, citada, copiada, encenada, interpretada, idolatrada, reinventada, etc. infinitas vezes, por vários especialistas no assunto, é chover no molhado. E, no entanto, cá estou. Eu a li recentemente, desvirginando meu novo Kindle (experiência deveras instigante, diga-se de passagem, sobre a qual falarei num outro ensejo) e precisava expor minha impressão sobre a obra.

Hamlet, Shakespeare, 1676 - 0005
William Shakespeare [Public domain], via Wikimedia Commons

A peça, escrita por volta de 1600, influenciou grandes escritores ao longo dos séculos e continuará fazendo-o através de sua imortalidade (sabia que O Rei Leão da Disney é inspirado em Hamlet?). É um drama que encerra nitidamente as psicoses mais comuns aos seres humanos: a inveja, a dor da perda, a traição, o amor familiar, o amor passional, a obsessão, entre outros sentimentos diluídos ao longo da trama. Com tudo isso, é pouco provável que alguém leia e não se identifique com algum ponto. E, para completar, habilmente tecido num cenário que não podia ser mais envolvente: a imaginação do leitor. Afinal, Hamlet é uma peça e – até onde vai meu parco conhecimento – roteiros de teatros são pobres em cenário, visto que este é de responsabilidade do diretor e não do autor do script.

ser ou nao ser - hamlet
Title page of the First Folio of William Shakespeare’s plays.
Hamlet, príncipe da Dinamarca, descobre que seu pai foi assassinado pelo irmão, que casa-se com a rainha (mãe de Hamlet) e toma a coroa. O jovem então elabora um plano de vingança.

Mesmo já conhecendo a história em linhas gerais, não imaginava todavia que todos os personagens têm certo desvio moral, desenrolando-se a trama a partir daí. Os mocinhos não são tão mocinhos assim e os maus não são tão maus assim. Esta visão não-maniqueísta realmente deve ter chocado a sociedade da época e servido como um forte endosso para a era Renascentista, onde os artistas estavam procurando se recriar e expandir horizontes.

Outro item impressionante, são os monólogos filosóficos, onde os personagens refletem e analisam um ponto do caráter humano.

O verme é o monarcha dos comedores. Engordâmos todas as creaturas para nos engordarmos, e engordâmo-nos para pasto dos vermes. Um rei gordo e um mendigo magro são duas iguarias differentes, comtudo hão de ser servidas á mesma mesa. Esta é a verdade.

Presumo que estas digressões no texto tenham sido herdadas do teatro grego, que ditava os moldes até então. E, cá entre nós, ainda encontramos em muitas obras literárias por aí com o mesmo arcabouço.

hamlet
Detail From German Wikipedia
Um comentário: a tão famosa citação “ser ou não ser…” é uma dessas digressões filosóficas. Mas eu, particularmente, me afeiçoei a outras tão mais profundas e interessantes do que esta. Aliás, é – do meu ponto de vista – uma falácia. Pois ele, Hamlet, já havia decidido o que faria. Hamlet se demonstra bastante hipócrita em muitas partes. E essa ambiguidade de caráter é uma demonstração plena de profundidade nos personagens e por isso a obra é genial.

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provações
E em luta pôr-lhes fim?

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