Lembra quando você tentava mentir para sua mãe e ela, magicamente, sabia dizer quando você não estava falando a verdade? Como ela sempre sabia?

Elementar, meu caro leitor: ela captava cada micro reação que seu corpo emitia. Todos nós, por fruto da evolução humana e da nossa convivência em sociedade, desenvolvemos um radar para estas reações e os pais, por conhecerem tão bem seus filhotes, aguçam este radar de forma impressionante.

Atores são (ou deveriam ser) especialistas em exprimir estas reações. Uma vez que no filme não há como citar o que o personagem está sentindo, eles têm de convencer o espectador do sentimento através de sua expressão corporal – e aí você pode diferenciar o ator bom do ruim. Se a intenção da cena, é, por exemplo, demostrar uma mãe que está muito feliz em receber o filho de uma longa viagem, seria difícil o público acreditar se ela estivesse de braços cruzados e cenho franzido.

Em literatura, o conceito “Show, Don’t Tell” (“Mostre, não conte”) trata-se exatamente disto. Você já deve ter ouvido falar aqui mesmo no Cafeína. Isso quer dizer que, como escritor, é geralmente melhor mostrar ao leitor alguma coisa de forma subjetiva para que ele capte e interprete, do que simplesmente dizer diretamente o mote que está tentando demonstrar. Claro, isso não é necessariamente uma regra da boa escrita e em dado momento irei mostrar quando não é bom usar.show dont tell - expressões e reações

Este é um assunto extenso, com diversos prismas, portanto resolvi quebrar em alguns tópicos: o primeiro é “Expressões e Reações”. Elas são um grande trunfo nesta questão. Observar, conhecer e descrever as expressões e reações de seus personagens enriquece o seu texto e dá ao leitor o desafio da interpretação. E, para ele – que é o nosso maior bem – a satisfação dessa “sacadinha” é justamente o regozijo que ele busca na sua obra.

Veja esse trecho, pinçado da obra Guerra e Paz, de Tolstoi:

O príncipe Hyppolite vestiu às pressas seu redingote, que ia até os calcanhares como ditava a moda, e, tropeçando nele, correu pelo alpendre no encalço da princesinha que o lacaio ajudava a subir na carruagem.
Princese, aur revoir! – gritou ele, tropeçando na língua, como nos pés.
A princesinha, puxando o vestido, sentou-se na sombra da carruagem; o marido ajeitou o sabre; o príncipe Hyppolite, sob o pretexto de ajudar, atrapalhava a todos.
– Com licença, senhor – falou em russo o príncipe Andrei, em tom seco e desagradável, para o príncipe Hyppolite, que impedia a sua passagem.

Percebem que ele não comenta qual é o sentimento do príncipe Hyppolyte, mas é absolutamente perceptível o quanto o jovem fica nervoso enquanto persegue sua paixão, estupidamente, ignorando o marido que ao sentar próximo a esposa, “ajeita o sabre”, numa reação animal, muito sutil – visto que ele é um verdadeiro nobre – de querer sacá-la e executar o moleque atrevido para com sua esposa.

Os humanos são criaturas pré-programadas e nisto está inclusa boa parte das reações. Observando, cientistas do comportamento mapearam um montão delas. Vide o livro de Darwin, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, onde ele demonstra um estudo sobre as reações faciais dos animais. Ser-lhe-á extremamente útil para saber quais expressões representam tais emoções.

Um cenho franzido diz muito sobre o que seu namorado está pensando quando te flagra conversando com aquele amigo com quem você não deveria. O sorriso de um bebê – possivelmente a reação mais honesta e pura em humanos – indica o quanto ele é apaixonado por sua mãe ou seu pai. Assim como um enorme sorriso, somado a um olhar com extrema atenção, de um editor que nunca te viu na vida e nunca leu nada que você tenha escrito, pode certamente ser interpretado como cinismo ou como uma falsa imagem de hombridade.

Olhem, por favor, essa belíssima passagem de 1984, de George Orwell:

“Winston passou vários segundos em estado de choque, incapaz até de jogar a peça incriminatória no buraco da memória. Quando o fez, mesmo sabendo muito bem qual era o risco de demonstrar interesse excessivo, não resistiu ao impulso de lê-lo novamente, só para ter certeza de que aquelas palavras estavam mesmo ali.”

Quem lê o livro, sabe que o protagonista vive sobre a pressão adstringente do Grande Irmão, uma entidade política que mantém toda a população num regime ditatorial distópico. Logo, quando ele recebe o bilhete em que a mocinha afirma que o ama, essa frase – que não cita sentimentos, apenas reações – descreve com perfeição a estupefação e a tensão que se passa com o pobre Winston. Genial.

Quando não usar? Bem, mais uma vez, depende muito do gosto do autor. Eu, particularmente, gosto muito de subjetividade em meus textos, portanto uso esta técnica ao máximo. Mas lembre-se que nada que seja escrito em seu texto deve ser por acaso. Tudo precisa ter uma razão de ser. Logo, se você tem uma passagem em que apenas quer dizer que seu personagem está cansado, pode ser mais útil e honesto escrever “ele está cansado” do que bolar todo um contexto para demonstrar que ele está cansado.

No mais, se resta alguma dúvida sobre a importância das reações em seus textos, te desafio a passar um mês sem usar nenhum emoticon ou smiley! 😉

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9 Replies to “Show, Don’t Tell – Expressões e Reações”

  1. Gente, parabéns pelo texto! Gostei do seu ponto de vista.
    Espero que tenha dado para captar minha alegria hehe
    Adorei você citar 1984 e ri no final por você ter falado do emoticon, eu luto muito pra não usar qlqr um e até mesmo risada no final das frases, justamente para que a pessoa entenda, sem eu dizer claramente.

    beijos
    Bia – http://www.livredujour.wordpress.com

    1. Olá Bia!

      Obrigado pela visita! Realmente, os emoticons facilitam um pouco nossa vida ao escrever no dia a dia, onde não precisamos – e muitas vezes não podemos – ser tão líricos para escrever e fazer entender o que estamos sentindo. Quem sabe eles não venham também invadir um dia o mundo da literatura… Eu ainda não vi, mas talvez, se bem usados, pode ser uma boa ideia.
      Beijos!
      D.

  2. Faltou complementar que as expressões corporais fazem de um contexto maior do que aos livros e filme citados no texto.
    Para criar a tal subjetividade das expressões há leituras e séries báicas para quem quer acrescentar mais que um simples estado físico. Além do livro “O Corpo Fala”, que é o básico de expressões corporais, há também a série de tv cancelada “Lie to Me” (ótima por sinal).
    Quanto mais intenso, mais deve-se se munir de informações e pesquisas.
    Com conhecimento comportamental acrescenta-se mais profundidade à personalidade do personagem, dando-lhe a intensidade e autenticidade necessária para tornar a história melhor.

  3. Ei! 🙂
    Bacana seu texto. Há pouco falava com meus alunos sobre a linguagem não verbal e o estrago – ou salvação – que ela traz no uso correto, dentro do contexto, e tal… Nos livros, acho fantástico quando o autor me passa cada sensação do personagem, sem precisar para isso detalhar o sentimento em si… Coisa de gênio, é claro. 🙂

    Abraços!!!

    escrev-arte.blogspot.com.br

  4. Muito bom!! Eu também tenho uma dificuldade com as expressões. Um amigo e escritor disse que eu deveria observar mais. Acho que essa observação nos leva a entender mais das expressões. Vou usar isso como exercício!!! Parabéns pelo texto!!

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