guerra e paz - box

Todo escritor tem de ser necessariamente uma criatura analítica. Afinal de contas, independente das metáforas que serão usadas para descrições, é preciso cultivar mentalmente uma variedade de detalhes sobre o que se está falando e assim levar o leitor a identificar da maneira mais evidente possível o objeto, cenário, mote, etc. que está sendo descrito. Ouso dizer que este é o “pulo-do-gato”, o grande diferencial entre o bom e o mau escritor: aqueles que descrevem com exatidão cirúrgica e aqueles que descrevem com exagero ou com demasiada economia.

Em minha parca experiência como leitor, percebo que as criaturas mais eficientes em descrever a psique humana são os escritores russos – com exceção de Clarice Lispector, mas ela não conta. Não era deste planeta. Recentemente, respirei fundo e mergulhei em Guerra e Paz, de Tolstói. Ganhei de presente uma edição lindíssima com a qual pretendo morrer abraçado. É uma leitura que assusta de antemão: são dois volumes de 2500 páginas cada um! Por isso, inclusive, que decidi escrever este post antes de terminar o livro. Há muito a ser analisado numa obra tão extensa. Procurarei soltar uma parte a cada vez que galgar 500 páginas.

Guerra e Paz, de Leon Tolstói - Parte I

Os russos são com frequência retratados como personagens brutos ou ríspidos em filmes hollywoodianos, mas a verdade é que Dostoiéviski, Tchekhov, Gógol e Tolstói escrevem de forma visceralmente sentimental – tanto em seus estilos quanto na psique de seus personagens – o que me leva a crer que não existe povo de sensibilidade mais aflorada que os russos – aliás, Clarice nasceu lá praqueles lados também…

Napoleão Bonaparte, para quem não sabe, lutava contra as monarquias da Europa (ao menos esse era seu slogan) e Guerra e Paz – até agora – retrata o reflexo das Guerras Napoleônicas na vida da sociedade russa da época (tenho um conto sobre Napoleão, clique aqui para adquiri-lo). Segundo as notas de rodapé, Tolstói foi a fundo na história, tendo feito extensa pesquisa, inclusive com acesso a inúmeras correspondências e documentos deste período.

A burguesia, com títulos de nobreza e cargos governamentais sem sentido, literalmente tremia nas bases ao ouvir as histórias e lendas que surgiam da polêmica figura do “Inimigo da Humanidade”, como Bonaparte era chamado. Sabiam que, uma vez perdida a guerra contra a França, seriam eles os primeiros a deitar seus pescoços na guilhotina. Ou, o que poderia ser pior, perder seus títulos e, consequentemente, suas fortunas.

Assim, uma agitação geral toma conta dos corações russos, até que é deflagrada a guerra. Tolstói demonstra com habilidade ímpar a irracionalidade humana em situações adversas. O quanto pessoas são capazes de ser ardilosas, pérfidas ou simplesmente idiotas para conquistar suas paixões. E todos nós as temos: seja uma pessoa, seja uma posição, seja um ideal ou seja a glória. O livro trata de muitos tipos de paixões.

É absurdo o quanto Tolstói consegue delinear cada personagem (em todo livro são quase 500) de forma que o comportamento, os trejeitos, os pensamentos são exclusivos de cada um. Embora a narração seja demiúrgica, cada capitulo se passa sob um ponto de vista de um personagem (o que me lembra bem as Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin e, possivelmente foi daí que ele tirou essa ideia – como eu sempre digo, se for copiar, copie do melhor!).

Erroneamente, eu acreditava que a linguagem de Tolstói seria carregada e/ou hermética. Mas, talvez por ele ter escrito o livro ainda bem jovem (minha idade, praticamente um menino!), sua escrita é como pãozinho quente com manteiga: macia e deliciosa, do tipo que se devora pensando no próximo.

Algo a que demorei um pouco a me habituar, é o fato de que as falas em francês foram mantidas no idioma original e a tradução posta em notas de rodapé. No início, quebrava um pouco o ritmo da leitura, mas foi apenas uma questão de costume. Achei essencial que fosse assim, visto que Tolstói critica o fato de que a Europa lutava contra a França, mas que hipocritamente adotava todos os seus costumes.

Até agora, o que mais me surpreende e diverte, é o sutil sarcasmo do autor ao retratar o ridículo humano. O mesmo que me faz me apaixonar por Machado de Assis.

Embora não tenha terminado ainda, já vale um Café Vienense duplo:
[rating=5]

Por enquanto é só. Até as próximas 500 páginas.

mm
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