tristao-isolda

Tome uma trena e marque-a em 1 metro. Suponha cada centímetro como um ano de sua vida. E suponha também, de forma bem otimista, que você viverá até os 100. Marcando nela a sua idade, poderá olhar para a trena e mensurar o tempo de vida que ainda resta.

Sou tomado de pesarosas reflexões quando marco meus significativos 30 anos e vejo que já se passou um terço (lembrem-se: otimista) de minha existência e serei incapaz de ler tudo que gostaria.

Desta forma, a cada livro que me chega aos olhos, faço esse questionamento: Valerão a pena as horas perdidas sobre ele? Pode-se então supor o quanto me sinto extremamente satisfeito ao topar com uma obra tão intensa, delicada e primorosa quanto Noite na Taverna.

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O livro é tão curto que os editores precisam necessariamente preenchê-lo com extenso material biográfico e outras linguiçarias para compensar o número de páginas. O que reflete o sucinto tempo de vida autor. Manuel Antônio Álvares de Azevedo morreu meses antes de completar 21 anos. Ou seja, sua vida caberia numa reguinha de 20cm.

E por isso que Noite na Taverna é tão impressionante. Trata-se de alguns amigos que se reunem numa taverna e contam histórias de sua vida. Sendo que cada uma é um conto que compõe a obra. Supõe-se, pela característica das narrativas que os senhores não são jovens, mas sim, criaturas com uma carga considerável de vivência.

“A madrugada aí vinha com seus vapores, seus rosais borrifados de orvalho, suas nuvens avludadas, e as águas salpicadas de ouro e vermelidão. A naureza corava ao primeiro beijo do sol, como branca donzela ao primeiro beijo do noivo: não como amante afanada de noite volutuosa como a pintou o paganismo; antes como virgem acordada do sono infantil, meio ajoelhada ante Deus; que ora e murmura suas orações balsâmicas – ao céu que se azula – à terra que cintila – às águas que se douram. Essa madrugada baixava à terra como o bafo de Deus: (…)”

Percebe? Como é possível um jovem de 20 anos possuir um poder de absorção e interpretação tão intensos e, sobretudo, acoplar isso a um estro poético tão pitoresco, gerando uma obra com trechos como este supracitado?

Segundo a biografia na wikipedia, o jovem Mané Toninho traduzia obras de Shakespeare e Byron pelos seus 17 anos (algo bem típico dos adolescentes de hoje em dia, né? Ahh… le lek lek lek… ). Suponho que daí provenha sua infecção poética.

São nítidas essas influências. Tanto na ambientação dos contos: sempre em países europeus; bem como nas citações que faz de outras obras: todos autores europeus. Suponho que seja algo comum para uma época pré-machadiana, onde o Romantismo recém cruzava o oceano para criar raízes dentre os tupiniquíns.

“Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça . Aquele fronte dela, naquela tez lívia embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados… Era uma defunda! …e aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida… – Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da ireja que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.”

alvares de azevedoPor “romântico e poético” não se deve entender “doce e sutil”. O livro é bastante pesado e profundo. As histórias sobejam lascividade e perversidade humana. Situações extremas. São contos tão lúgubres quanto os de Poe, mas com uma tonalidade mais à Augusto dos Anjos.

A visão que tenho é que esse rapaz tinha algum tipo de transtorno. Destes que ao invés de dar ao indivíduo uma deficiência, dá-lhe um talento sobre-humano. Bem, sorte nossa. Apenas me pergunto: Se ele escrevia assim aos 20, o que teria escrito aos 50?

Merece um Café Vienense
[rating=5]

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