o castelo

O castelo
Franz Kafka

Sinopse:
O agrimensor K. chega a uma aldeia coberta de neve e procura abrigo num albergue perto da ponte. O ambiente sombrio e a recepção ambígua dão o tom do que será o romance. No dia seguinte o herói vê, no pico da colina gelada, o castelo: como um aviso sinistro, bandos de gralhas circulam em torno da torre.
O personagem, K., nunca conseguirá chegar até o alto, nem os donos do poder permitirão que o faça. Em vez disso, o suposto agrimensor – mesmo a esse respeito não há certeza – busca reivindicar seus direitos a um verdadeiro cortejo de burocratas maliciosos, que o atiram de um lado para outro com argumentos que desenham o labirinto intransponível em que se entrincheira a dominação.
(fonte: contracapa do livro)

o castelo

Passada a irritação de chegar ao final do livro e perceber que o livro não tem final – sim, sim, confiram na foto, o livro acaba no meio de uma frase – e passada a decepção por não saber o desfecho da estória de K., resta-me o consolo de discorrer sobre mais um bom livro deste autor conhecido quase exclusivamente por uma obra, A metamorfose.

Ao ler o posfácio, aprendi que a obra foi publicada postumamente e que os originais foram salvos de serem queimados (pelo próprio Kafka) por Max Brod, amigo e testamenteiro do autor. Brod, aliás, salvou-os duas vezes: a primeira, ao impedir que Kafka os destruísse; e a segunda, ao evadir-se de Praga, em 1939, após a ocupação nazista, levando consigo o espólio literário do amigo. Daí resultou o fato de a obra estar incompleta. Mas a explicação demora a surtir efeito e o leitor custa a se conformar depois de ter sido surpreendido negativamente ao chegar à última página e encontrar uma frase interrompida bem no momento em que um novo personagem seria introduzido.

o castelo - ultima pagina

Frustrações à parte, vale destacar que não é um livro de leitura fácil. Não pelo linguajar que, exceto pelas conversas “oficiais” com funcionários do Castelo, são coloquiais e isentas de um vocabulário rebuscado demais. A dificuldade reside na quantidade de rodeios, de malabarismos verbais contidos no texto. Refletindo a burocracia que persegue K. ao tentar chegar ao Castelo, o texto é repleto de meandros e “pegadinhas”. Quem já teve a necessidade de ir a uma repartição pública resolver algum assunto e viu-se preso no emaranhado burocrático, encaminhado a inúmeras seções para, ao final de seu périplo, perceber que poderia ter resolvido tudo no primeiro balcão de atendimento consegue ter a noção exata do formato do texto de Kafka. É, por vezes, cansativo (não leia se estiver com sono), mas é interessante demais o quanto a forma complementa a trama. O leitor não apenas acompanha a jornada de K., como também sente-se tão perdido quanto K. na burocracia.

franz kafkaIsso também é conseguido com a forma que o livro é narrado. A narração é em 3a. pessoa, contudo a perspectiva é apenas a do protagonista. Diferente da maioria dos narradores em 3a.pessoa, este não é demiúrgico – não está em todos os lugares e não tem conhecimento das ações e motivações dos demais personagens. Sendo assim, o narrador, que deveria ser o guia do leitor, ou ao menos seu suporte, não consegue ajudá-lo esclarecendo os fatos, já que tudo o que é narrado refere-se ao protagonista. Sem explicações, assim como K., o leitor sente-se cego e perdido num labirinto de eventos sem sentido e conversas ambíguas e, por vezes, absurdas.

Entre tantas interpretações possíveis, a mais gritante é justamente a crítica ao poder e a seu uso indevido a fim de evitar o acesso de quem está “de fora”. Além disso, a disseminação da troca de favores que leva à criação de seções e cargos desnecessários. E, devido a esse excesso de departamentos, a probabilidade de “gestores” distintos tomarem decisões totalmente discrepantes, como foi o caso da contratação de um agrimensor. Enquanto um departamente tomava providências para sua contratação, outro chegava à conclusão de que a cidade não era assim tão grande a ponto de necessitar de um agrimensor. E K. chega à cidade, ao mesmo tempo, empregado e desempregado. Mais non-sense impossível. Non-sense, porém atemporal.

– Não – disse Olga. – Isso o engana e talvez seja assim também que eu o engane. O que, pois, ele conseguiu? Pode dentrar numa repartição, mas não parece nem mesmo uma repartição, antes uma ante-sala das repartições, talvez nem mesmo isso, talvez um quarto, onde devem ser retidos todos aqueles que não podem entrar nas repartições reais. É com Klamm que ele fala, mas é Klamm? Não é antes alguém apenas parecido com Klamm?.
(p.208)

Vale um Capuccino.
[rating=3]

Cristine Tellier
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