Maltese-Falcon

The maltese falcon
Dashiel Hammett

Cá entre nós, não vejo muito sentido em “comemorar” a data em que fulano-de-tal completaria X anos. E menos sentido ainda em comemorar a data de falecimento. Mas cada um, cada um. Há os que apreciam e eu respeito. Aliás, o tema de hoje veio-me à mente dias atrás ao ler um tuíte comentando sobre o “aniversário da morte” de Dashiell Hammett. Achei que valeria a pena discorrer sobre a obra que serviu de base para um dos clássicos do filme noir: o homônimo The Maltese Falcon. Erroneamente considerado como o primeiro filme dessa estética – o título pertence a Stranger on the Third Floor, dirigido por Boris Ingster -, é uma adaptação bastante fiel do livro. Aos olhos de hoje, o ritmo do filme pode parecer lento demais, mas ainda assim não há como negar que se trata de uma obra-prima do gênero.

falcao-maltes

Mas vamos ao livro.

Sinopse:
Um relíquia medieval valiosíssima – a estatueta de um falcão – é levada em sigilo desde o Oriente até a cidade de San Francisco, na Califórnia. No rastro desse tesouro, seguem aventureiros gananciosos que fazem de tudo para possuí-lo. Não hesitam em mentir, trair e matar. O detetive particular Sam Spade entra nessa batalha encarniçada quando seu sócio é assassinado depois de se envolver com uma jovem tão sedutora quanto ardilosa. Imune a ilusões sentimentais, habituado a lidar com gângsteres e policiais corruptos, Sam Spade arma um jogo sutil de alianças e traições, decidido a sair vencedor. Preserva noções elementares de justiça, mas está disposto a ir até o limite.
(fonte: contracapa do livro, edição da Companhia das Letras)

falcao+maltesA obra é considerada o ápice do noir na literatura. E, da mesma forma que o filme foi um dos pioneiros do uso da estética noir no cinema, Hammett inaugurou com este livro um formato diferenciado de contar estórias policiais. Nada de investigadores super elegantes acomodados em seus ricos gabinetes. A partir de sua experiência pessoal como detetive, ambientou a estória nas ruas de uma cidade intranquila e construiu personagens que nem sempre são exemplos de boa conduta. Há uma linha muito tênue separando mocinhos e bandidos. Tão tênue que, por vezes, o leitor fica em dúvida, o que deixa a trama ainda mais interessante.

Vale lembrar que uma obra deve sua importância e sua perenidade à qualidade de seu texto. Mas não apenas por isso. A quantidade de vezes em que as ideias nela contidas são copiadas e/ou referenciadas em produções artísticas posteriores também é um ótimo indicativo. E com O falcão maltês isso é inquestionável. Todos os elementos icônicos descritos na sinopse – a mulher fatal, o detetive particular, o objeto valioso, entre outros – podem ser encontrados em dezenas de livros, filmes, animações e outras mídias em que o clima policialesco esteja presente na trama. Desde Os mistérios de Piu-Piu e Frajola – em que a Vovó é uma detetive – até Constantine. De O segredo do museu imperial, de Stella Carr, até Luís Fernando Veríssimo com seu Ed Mort. Todos beberam da fonte de Hammett.

HumphreyBogartA estória é narrada em 3a.pessoa. O narrador é onisciente, porém não conta tudo ao leitor. Os ambientes são descritos, sabe-se o que os personagens fazem e falam, contudo omite-se o que os personagens pensam. Essa “tática” contribui para intensificar a aura de suspense e de dúvida que permeia toda a trama, já que o leitor tenta, sem sucesso, formar um juízo a respeito de fatos sobre os quais tem apenas informações parciais. Com base nisso, não é difícil entender por que o desfecho do mistério é tão surpreendente. O leitor tem aquele momento de “Hein?! como assim?! quer dizer que… isto aqui, hmmm… e aquilo ali, hmmm”. O autor obtém com isso uma reação similar àquela que temos ao assistir um filme com um plot twist – a clássica reviravolta – no final. Aquele instante em que o espectador rebobina o filme mentalmente e passa a enxergar a estória sob a luz das informações inusitadas recém-adquiridas. O sexto sentido, A pele que habito e o recente As aventuras de Pi são bons exemplos.

Outro atrativo do livro é o caráter ambíguo do protagonista, Sam Spade – personificado no filme com riqueza de detalhes por Humphrey Bogart. Sua frieza e sua moral maleável, que se molda às circunstâncias, o encaixam à perfeição no arquétipo do anti-herói – o responsável pela resolução da trama, mas que está longe, muito longe do perfil do moço altruísta, de moral ilibada e sem defeitos dos contos de fadas ou de romances açucarados. Suas qualidades – seu poder de dedução, sua sagacidade, sua habilidade em “ler” as pessoas – invariavelmente são utilizadas em proveito próprio. Cínico, não hesita em manipular pessoas e situações a seu favor. O auxílio ao próximo, quando ocorre, é sempre circunstancial. Em suma, Spade é um canalha inescrupuloso. Mas é quem “salva o dia”. Apesar de tudo, durante a leitura, o leitor percebe que ele é o único confiável, já que não esconde suas intenções. É o herói relutante.

Dashiell Hammett
Dashiell Hammett
Junte-se a esses fatores o texto conciso e enxuto de Hammett e tem-se uma narrativa cujo ritmo é intenso, quase vertiginoso em certos momentos. O vocabulário das ruas, do dia-a-dia, os diálogos ágeis e sem floreios enfatizam essa característica do texto. A economia de palavras torna necessário ao leitor prestar atenção redobrada, pois em poucas linhas pode ocorrer um fato que transforma a trama completamente. Não há digressões nem expressões meramente decorativas. Todo o texto é muito direto. Literalmente, é tudo “preto no branco”.

Como diversão ou como estudo de criação de personagem é um livro que vale a pena ser lido.

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Cristine Tellier
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