Il nome della rosa (O nome da rosa)
Umberto Eco

“Stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus”
(“A rosa antiga permanece no nome, nada temos além dos nomes”)

(resenha originalmente publicada no Leitor Cabuloso, em 05/01/2013)

Apesar de já ter resenhado alguns livros de Umberto Eco, nunca resenhei meu livro predileto: O nome da rosa. Citei-o várias vezes em outros textos, como meu parâmetro de comparação para as leituras posteriores. Admito que deveria encarar cada livro independentemente, mas é difícil não tecer comparações, já que a leitura do primeiro foi tão marcante. É uma obra excepcional e de todos os outros livros de Eco que li depois esperava atingir o mesmo enlevo causada por ela – o que ocorreu apenas com o mais recente, O cemitério de Praga (post aqui). Diz-se que Eco inaugurou o chamado “suspense erudito” e posso afirmar sem dúvida que foi O nome da rosa que me fez descobrir essa vertente da ficção histórica. A partir de sua leitura, passei a me interessar por estórias que mesclam fatos reais e personagens fictícios. Não há maneira mais prazerosa de se aprender História.

o nome da rosa

O título do livro é uma expressão utilizada na Idade Média para exemplificar o poder infinito das palavras. Há basicamente duas reflexões suscitadas pelo termo: designação versus objeto concreto e perenidade do conceito versus efemeridade do objeto único. A primeira foi condensada poeticamente por Shakespeare numa das falas de Julieta:

“What’s in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet.”
(“O que é um nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume.”)

A segunda refere-se à opinião sobre o nome da rosa: o conceito é universal e imortal e sobrevive à mortalidade do objeto? ou o conceito é particular e perece junto com o objeto individual?

Sinopse:
Durante a última semana de novembro de 1327, em um mosteiro franciscano italiano, paira a suspeita de que os monges estejam cometendo heresias. O frei Guilherme de Baskerville é, então, enviado para investigar o caso, mas tem sua missão interrompida por excêntricos assassinatos. A morte, em circunstâncias insólitas, de sete monges em sete dias, conduz uma narrativa violenta, que atrai por seu humor, crueldade e sedução erótica.
(fonte: Grupo Editorial Record)

Não é preciso avançar muito na leitura para perceber algumas referências – óbvias para leitores inveterados. O sobrenome do frei imediatamente remete para O cão dos Baskerville, de Conan Doyle. E não apenas o nome é uma referência direta, mas a própria estória “segue os passos” das aventuras de Sherlock Holmes. Baskerville, apesar de ter sido chamado para investigar as heresias supostamente praticadas, vê-se envolvido na investigação dos assassinatos, utilizando sua experiência como inquisidor e sua inteligência dedutiva para chegar à solução do mistério. Contudo, não se pode dizer que seu ajudante, o noviço Adso de Melk, seja o “Watson” de Baskerville, apesar da fonética semelhante. Ele está mais para um “fiel escudeiro”, o que reafirma o tom quixotesco da aventura. A resistência dos monges às investigações de Baskerville e as respostas ambíguas a seus questionamentos por vezes dão a impressão de que ele está imaginando coisas e avançando numa cruzada sem sentido.

mosteiro - o nome da rosaÉ exatamente essa mistura entre folhetim detetivesco e novela histórica que deixa o livro tão interessante. Enquanto o leitor acompanha a investigação, é também imerso no cotidiano de um mosteiro medieval. E não apenas isso. O período em que ocorre a estória é retratado detalhadamente, com seus hábitos, suas crenças, seus preconceitos, suas superstições, seus dogmas, suas simbologias, seu misticismo. O domínio da Igreja sobre o conhecimento é posto sob escrutínio através do olhar de Baskerville. Aliás, por falar em olhos, o fato de o frei usar óculos é bastante significativo. Além de demonstrar a resistência da sociedade dominante aos avanços científicos, pois todos encaram seu uso como uma aberração, implicitamente induz o leitor a concluir que o único que enxerga os fatos claramente é Baskerville.

Frei Guilherme era discípulo de William de Ockham, teólogo inglês, e admirador as ideias de Roger Bacon. Mesmo sendo membro de uma ordem religiosa, percebe-se logo que é alguém à frente de seu tempo. Não apenas pelo uso de uma tecnologia avançada para a época, mas também por suas ideias. Ele não só achava que melhorar algo natural do homem – a dificuldade de enxergar – era perfeitamente aceitável mas que o conhecimento contido nos livros da biblioteca não deveria ficar retido e confinado a apenas uns poucos “escolhidos”. É interessante notar o quanto essa faceta da trama é ainda bastante atual: o domínio da informação versus a disseminação do conhecimento. E Baskerville se diferencia dos monges do mosteiro por outra peculiaridade: seu humor por vezes ácido. Contrariamente aos monges mais idosos, ele acredita que o humor e o riso são boas ferramentas tanto para obter informações quanto para disseminá-las. O frei tem o que hoje comumente denomina-se de humor britânico – o que me garantiu boas risadas durante a leitura.

biblioteca - o nome da rosaSobre a estrutura do romance é importante destacar que Eco lança mão de um recurso que costuma fisgar o leitor desde a primeira página. O autor faz crer que toda a estória é a compilação de um manuscrito que lhe caiu em mãos casualmente. Manuscrito este que assegurava reproduzir fielmente um anterior, datado do século XIV, encontrado no mosteiro de Melk. Partindo dessa premissa, faz todo o sentido que o linguajar utilizado na narrativa seja similar ao da época retratada, além de estar permeado de inúmeras citações teológicas, muitas delas em latim – afinal, tudo se passa num mosteiro. E este, como a maioria dos mosteiros, tinha uma “atividade” principal: não só abrigava uma imensa biblioteca, mas seus monges eram conhecidos como os melhores copistas da época. E essa atividade é elemento essencial ao desenvolvimento da trama. Vale destacar que algumas das melhores discussões entre Baskerville, Jorge de Burgos (clara homenagem a Jorge Luis Borges) e Ubertino , sobre o valor do riso e o uso do conhecimento ocorrem na sala em que trabalham os copistas.

A estória é narrada em primeira pessoa pelo noviço Adso de Melk, supostamente o autor do manuscrito original. E o autor faz bom uso disso. Devido à pouca idade de Adso e seu conhecimento ainda insípido sobre o mundo a seu redor, ele assume o papel do “aprendiz” na trama, fazendo a frei Guilherme as perguntas que certamente o leitor se faz durante a leitura.

O livro pode ser desfrutado em vários níveis. Consegue agradar aos leitores que o lêem simplesmente como uma aventura sherlockiana, onde o que importa é o whodunit. Agrada também aos interessados em conhecer mais sobre o período em que se passa a estória, já que a abadia é um microcosmo da sociedade da época, como o próprio frei Guilherme afirma ao chegar:

“Esta abadia é um verdadeiro microcosmo, quando tivermos cá os legados do Papa João e de Frei Miguel o quadro estará realmente completo.”.

E consegue agradar também aos que apreciam embates filosóficos: heresia versus ortodoxia, virtude versus pecado, razão versus fé. Não bastasse isso, os que gostam de procurar referências, interpretar simbologias e construir paralelos entre a trama e o mundo atual têm também um prato cheio.

El Códice Gigas

Enfim, relevem as citações em latim e o linguajar erudito, pois o mergulho no universo criado pelo autor garante uma leitura muito envolvente. Engana-se quem acha que, por ter assistido o filme e já saber o final, o livro perde seu atrativo. Solucionar o mistério é apenas uma das razões que garante ao leitor uma experiência de leitura inesquecível. Posso afirmar que, mesmo conhecendo o final, desfrutei demais da leitura em todas as vezes que reli o livro. Saber a solução do mistério “desvia” nossa atenção para outros detalhes, talvez não percebidos anteriormente, tornando a narrativa ainda mais rica e cativante.

Apenas mais uma observação sobre o filme baseado no livro: é um bom filme, mas não é uma boa adaptação. Perde-se na transcrição de uma mídia a outra o “complemento” que torna a leitura do livro tão deliciosa: o contexto histórico e os embates teológicos.


Obs.: o título do post significa “Penitencia-te!”, grito característico dos pseudo-apóstolos, ou dolcinitas, representados no livro por Salvatore, um frei abrigado na abadia e que conversa misturando vários idiomas da época – catalão, italiano, francês, latim, entre outras.

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Cristine Tellier
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4 Replies to “Penitenziagite!”

  1. Eis a minha tradução:

    O nome da rosa antiga está, temos o nome nú (dela).

    Ou:

    O nome da rosa está antigo (ultrapassado), temos o nome dela nú.

    Observações: A rosa de que se refere a obra de Umberto Eco é (no contexto religioso) a Rosa de Saron, a noiva de Salomão no livro dos Cânticos, na Bíblia. Não é dito o nome dessa rosa na obra de Eco e nem na Bíblia, assim, Umberto faz referência aos pensamentos de Aristóteles que dizem não importa o nome da rosa, ela continuará tendo a mesma essência. Talvez Eco colocou essa frase para, de maneira direcionada aos leitores de latim, protestar contra essa filosofia.

  2. Independentemente de sua existência material, sua essência permanece no seu nome. O nome é invocador da memória sensorial sobre a coisa e do conhecimento sobre a situação histórica da mesma coisa.

  3. Bia noite! Maravilha essa sua sinopse, viu! Há algum material em que se consiga todas as citações em língua estrangeira do livro traduzidas?

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