Este post saiu meio assim, no improviso. Digo “meio” pois metade dele – a ideia – surgiu inesperadamente enquanto lia uma HQ. Mas a outra metade – a escrita – não foi improvisada, apesar de ter tido alguns insights inesperados enquanto anotava os tópicos.

Na minha opinião – sei que há quem discorde – sem planejamento, dificilmente obtem-se bons resultados, seja na escrita, seja na corrida. Obviamente, que nem sempre tudo corre conforme o planejado, há sempre imprevistos ou inspirações súbitas. Mas ter em mente, em linhas gerais, o que se pretende fazer dá-nos a liberdade de improvisar com mais segurança, minimizando riscos e/ou problemas. Aliás, o improviso faz parte. Acrescenta aquela pitada de “desconhecido”, de desafio que é combustível para a maioria das ações humanas.

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Não foi apenas uma, nem duas, mas muitas vezes que, ao escrever – seja post, crônica ou conto -, à medida que desenvolvo uma ideia, outra se apresente quase “do nada”. Lógico que não veio do nada, meu cérebro fez o trabalho duro de juntar pontas soltas sobre o que eu estava pensando e trouxe à tona apenas o que interessava: a ideia consolidada. E, vejo-me escrevendo sobre algo que inicialmente eu sequer pensara, tendo que encaixar a nova ideia no texto que eu planejara tão cuidadosamente. Esse esforço fora do escopo inicial é ainda mais gratificante, justamente por ser sem premeditação.

E, na corrida, não é diferente. Podemos ter tudo planejado, esquematizado – pace de tanto até o quilômetro tal, gel a cada tantos quilômetros, bala de goma ou qualquer outro doce a cada posto de água, ritmo progressivo ou constante. Mas são tantas variáveis que, impreterivelmente, algo vai sair “da linha”. E o ser humano é um bichinho que está sempre pronto para dar um jeitinho e fazer as coisas voltarem ao eixo. Dou até um exemplo recente. No meu penúltimo longão, de 22km, resolvi ir da minha casa (moro próximo ao autódromo) até o parque Ibirapuera. Antes de sair, planejei meu percurso, por ruas e avenidas já conhecidas. E, em alguns momentos, tive de fazer alterações inesperadas, tanto por conta de obras do metrô, como por alguma alteração nas vias (faróis de pedestre desativados, por exemplo).

writingE, tanto na escrita quanto na corrida, o preparo do escritor/atleta é parte essencial. Porque uma boa parcela do bom resultado frente a situações inesperadas é ter conhecimento e jogo de cintura suficiente para saber como encará-las. E voltamos ao planejamento. Planejar não é apenas esquematizar exatamente o que se pretende fazer em condições ideais. Planejar é “cercar o frango” o máximo possível. É tentar pensar nos imprevistos mais prováveis e ter uma solução de contorno para o que for possível. Por exemplo, na corrida, é ter a resposta para “Como recupero o tempo perdido se eu tiver de fazer um pit-stop?”. Na escrita, “Como eu conecto uma nova cena (ou parágrafo) ao restante do texto?”. Dando continuidade ao exemplo do parágrafo anterior: antevendo a possibilidade (grande, infelizmente) de o Garmin dar problema no meio do trajeto – o que de fato ocorreu – eu havia olhado no Google Maps para ter uma ideia da distância de casa até o parque. Fazendo isso, percebi que precisaria chegar ao parque e ainda dar uma volta lá dentro para completar os 22 km. E dito e feito! Antes de chegar ao quilômetro 16, o Garmin simplesmente apagou (maldito!). Porém, apesar da minha irritação com o fato – tive impulsos de jogá-lo no meio da rua e vê-lo espatifar-se sob as rodas dos carros -, terminei meu treino como previsto, já que a solução de contorno estava disponível.

Não estar preparado, em ambos, pode ser fatal. Eu sei, soa um pouco dramático demais, mas é quase isso. Ao improvisar na escrita, o óbvio acontece. Tem-se um texto mal-escrito, mal-emendado, com ideias soltas e desconexas. Na corrida, pode fazer o atleta passar mal durante a prova ou, na pior das hipóteses, levar a uma lesão. E a “culpa” não é do improviso, do imprevisto. É a falta de preparo que causa esses efeitos colaterais desagradáveis.

images[1]Falei sobre escrita e sobre corrida e vou finalizar falando sobre música. O jazz é um exemplo perfeito de que o improviso bem sucedido depende de um bom preparo. Meu avô por parte de mãe, que eu não cheguei a conhecer, era músico. Tocava clarinete e trompete. E, segundo me contaram, dizia que o jazz era para músicos de verdade. Dizia que, para tocar jazz (muito bem), o músico deveria ter total controle sobre a técnica, sobre o instrumento, pois sem isso seria impossível improvisar de modo satisfatório. Parece contraditório, mas não é. Aos que não conhecem, faz-se necessária uma rápida explicação sobre o “fazer jazz” – rápida e superficial, pois jazz é muito mais que isso. Um grupo de jazz, ao tocar, segue uma linha melódica principal. Depois de executarem o que está na partitura, começa a improvisação. Cada músico tem oito compassos, em geral, para improvisar livremente (ou quase) e, ao final, voltar ao tema principal. E fazer isso sem ter domínio total sobre o instrumento é, no mínimo, uma imprudência. Enfim, planejamento é importante, mas preparo é fundamental.

(A propósito, a ideia para o parágrafo de conclusão veio no improviso. Eu tinha outra coisa em mente. Mas fui pegar um copo de café e, nesse meio tempo, meu cérebro se encarregou de fazer piscar em letras garrafais a palavra “jazz” na minha cabeça.)

Cristine Tellier
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