anthony hopkins

Quem é amante da literatura sempre vê a adaptação de uma obra para o cinema com o nariz torcido. É unânime para os leitores que no filme em geral perdem-se muitos aspectos da história, da profundidade dos personagens, etc. Não estou me referindo àquelas obras que são comercialmente escritas com o claro intuito de fazer o filme, mas sim àquelas cuja intenção primordial era encantar pela leitura, dando espaço livre para as divagações e fantasias do leitor.

silencio dos inocentes

Há casos de sucesso, sem dúvida. Terminei de ler ontem O Silêncio dos Inocentes. Notam-se grandes diferenças entre o livro e a adaptação para as telonas. Neste caso, entretanto, o resultado foi excelente. Tudo o que foi modificado ou cortado serviu para tornar a diegese, o contexto, o ambiente e o nível de pavor da história ainda mais fascinante.

No filme, a jovem agente em treinamento, Clarice Starling, é convocada a ajudar na investigação sobre um serial killer que sequestra e mata moças gordinhas. Sua missão inicial é entrevistar, no intuito de conseguir alguma cooperação, um ex-psiquiatra forense, o Dr. Hannibal Lecter.
Eu sei, o filme dispensa apresentações. Vencedor de cinco Oscars, qualquer um que se interesse um mínimo por cinema o conhece e também ficou intrigado com a sedução diabólica do Dr. Lecter.

anthony hopkinsO personagem foi magistralmente interpretado por Anthony Hopkins, ao ponto de ter ganho merecidamente o prêmio máximo pelo seu trabalho. Sua sutileza, sua educação e sua erudição contrastam amplamente com seu instinto assassino e fazem da personagem um dos maiores vilões da história do cinema (e também um dos meus malvados favoritos).

O que boa parte dos fãs não sabe é que no livro, o Dr. Lecter parece bem mais humano. Ele nem é tão educado: usa muitos palavrões durante as conversas com Clarice. Continua sendo um gênio assassino, mas passa-se a impressão de que é vaidoso demais, fazendo-o perder o charme que lhe é tão característico no cinema.

A agente Starling, por sua vez, passa uma imagem diferente. A atuação de Judie Foster é espetacular e mostra uma mulher que tem capacidade profissional enorme, mas que é ainda muito insegura e contida. Já no livro, a personagem é mais ousada, mais segura e até malcriada em alguns momentos. Ao meu ver a opcão do diretor de fazê-la mais tímida serviu de forma perfeita para enaltecer ainda mais o controle e a perturbação que Lecter opunha a ela.

Alguém que no filme passa quase despercebido é o chefe de Clarice, o agente Crawford. Sua participação na história escrita é grande. Ele atua como um importante mentor sobre a jovem agente. Passando-lhe seu legado de anos de experiência como agente do FBI. É um contra-ponto de Lecter. O lado humano. Fator que provavelmente o diretor suprimiu para que Lecter fosse o único mentor da jovem, fazendo-o mais brilhante e tornando mais intensa a relação entre os dois.

silencio dos inocentes filmeAssim como tais itens que citei, vários outros são suprimidos e, em minha opinião, de forma positiva:

– No livro, Lecter tem 6 dedos em uma das mãos. Imagino que tenha sido um recurso que o autor usou apenas para justificar um pequeno detalhe durante a fuga, quase no final.

– Há uma história pós fuga (que no filme não aparece) onde Lecter vai para um hotel preparar-se para sair do país (Para o Rio e Janeiro! Já pensou? Que legal? Ter o psicopata mais ilustre do cinema aqui tão pertinho!). Este epílogo da fuga é citado no filme sequência “Hannibal”, mas não entra muito em detalhes.

– O final do livro é levemente diferente (spoilers a frente). Hannibal não liga para Clarice, mas lhe escreve uma carta. Também escreve uma para Barney (o enfermeiro gente boa que cuidava dele) com agradecimentos por ter sido um bom “anfitrião”.

– Fica claro que ele deseja vingar-se do Dr. Chilton, mas não diz se ele realmente foi atrás dele.

– Tanto no filme quanto no livro, o Dr. Chilton grava as conversas de Lecter e Clarice. No filme não fica claro o que acontece com as fitas e, no filme seguinte, Clarice as consegue com Barney. Mas no livro elas são vendidas para um tablóide que publica as conversas, além de outras mentiras sobre a agente. O mesmo tablóide que teve um papel importante no livro anterior, “Dragão Vermelho”.

Apesar das diferenças, como disse antes, nenhuma mudança desabonou a adaptação cinematográfica. Pelo contrário, penso que foram calculadas meticulosamente para enaltecimento dos personagens. O que não quer dizer que o livro seja ruim. Os detalhes que faltam no filme enriquecem a histórica e ajudam a entender melhor todo o mistério. Além de causar a tensão no leitor, mesmo que já tenha assistido ao filme.

É daquele tipo de livro que você não quer parar. Perdi algumas vezes a estação de metrô por causa dele. Para quem gosta de romances policiais, de mistério e/ou suspense, é diversão e pavor garantidos.

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