Conversando outro dia sobre literatura infanto-juvenil, veio-me a ideia de escrever sobre umas das coleções que marcou minha infância e adolescência: “O sítio do picapau amarelo”. Qualquer pessoa com mais de 30 anos, deve se lembrar da primeira adaptação da obra feita para a TV. E eu ainda acho que foi a melhor de todas.

sitio[1][1]Os livros de Monteiro Lobato foram alguns dos primeiros que li depois de ser oficialmente alfabetizada. E, na minha opinião, essa ideia de vetar seus livros em escolas públicas é mostra de total ignorância de quem a defende. Além de, obviamente, configurar-se como uma censura.

Qualquer obra deve ser analisada no contexto temporal e ambiental em que foi gerada. E não há sombra de dúvida que o vocabulário utilizado por Lobato reflete o linguajar da época. Da época em que o livro foi escrito e da época em que se passa a narrativa. E, certamente, no início do século passado era usual que se chamassem os negros de – pasmem – “negros”. Nada mais natural que o autor transpusesse a fala das ruas para os textos. Sinceramente, acredito que não houvesse preconceito algum ali.

“Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens”.

E o trecho acima, parece mesmo preconceituoso? Se sim, afinal, o preconceito é contra quem? Homens ou macacos? O preconceito está na mente tacanha e medíocre de algumas pessoas, em algumas minorias, que se sentem ofendidas por um autor talentoso fazer seu trabalho da forma que esperamos que seja feita. Ou alguém duvida que a intenção é sempre deixar a estória o mais verossímil possível, apesar dos aspectos fantasiosos nela contidos? Acho um perigo esse conceito de “politicamente correto”, tão em moda atualmente. Infelizmente, parece que o intuito inicial de evitar o preconceito, acabou degringolando para uma censura velada.

Escrever realmente abre a mente. Ler também. Mas agora, neste momento em que redijo o post, refiro-me especificamente à escrita pois, enquanto escrevia o parágrafo anterior, fiz uma correlação em que ainda não tinha pensado.

fahrenheit 451Li, há algumas semanas, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. O livro enfoca um futuro distópico em que os livros são proibidos por conterem mensagens inúteis. O protagonista é Guy Montag, um bombeiro. E, nesse futuro, os bombeiros são os responsáveis por incendiar os livros confiscados. Em certo ponto da narrativa, o chefe de Montag conta-lhe como tudo começou. Por que os livros passaram a ser proibidos e queimados. E iniciou-se exatamente com uma ideia como a que discutia acima. As minorias começaram a querer suprimir textos que supostamente as ofendiam, que lhes eram desfavoráveis. Negros reclamando de textos racistas, judeus reclamando de textos anti-semitas, homossexuais reclamando de textos homofóbicos. Cada melindre resultando na supressão de trechos e, posteriormente, de várias obras.

Pensando nisso agora, a realidade ali descrita já não parece tão improvável ou fantasiosa. E isso é muito, muito assustador. Será que estamos nos encaminhando para um futuro nesses moldes?

(A intenção inicial do post era comentar sobre “O sítio do picapau amarelo” e listar meus dez prediletos. Mas fica para o próximo.)

Cristine Tellier
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