Tamanho foi meu espanto ante aquele argumento simples e profundamente óbvio: Como eu poderia afirmar que não sabia português se eu falo português?

Quem teve aula com a Tereza Berlowitz jamais se esquecerá disto. Aquela velha era doida, mas tem-se de admitir que fosse uma professora fantástica. Na primeira aula pediu uma dissertação cujo tema era o ensino da língua portuguesa. Neste texto fiz uma lamúria, dizendo que não sabia conjugar verbos porque nunca tinha conseguido decorá-los! Pobre de mim, pensei… Mas ela não se comoveu e me ensinou impiedosamente que decorar verbos era estupidez. Tinha era de entender as regras de flexão.

Tive várias influências que me fizeram gostar de escrever, mas a Tereza certamente foi a mais forte delas. Ela dizia que gramática era uma palhaçada. Uma definição de regras para a língua que as pessoas falam. Quer dizer, algo que não pode ser controlado, que está em constante mudança, visto que não se pode determinar a forma que o povo fala. As regras, por sua vez, não acompanham e é não raro que se tornem obsoletas e contraditórias, tendo de serem repetidamente atualizadas.

O que ela queria dizer com isso é que boa parte das pessoas diz não saber escrever por que criam um bloqueio. Um medo de transformar em coisas escritas as palavras que falam normalmente. Afinal, as regras são tão minuciosas que transgredi-las é mais fácil que tirar leite de gato. Assim elas acabam ofuscando o que é realmente importante: Comunicar.

grammatica

Além disso, são extremamente raros os professores aptos a ensinar de forma correta. A velha ironizava aqueles exercícios infantis de preencher lacunas, de adivinhar o que completa a frase e etc. Dizia que não havia outra forma de aprender português senão escrevendo (e ela chegava a pedir 10 a 15 textos por aula). Para alunos comuns, depois de anos sendo ensinado desta forma medíocre, é absolutamente ofensivo cobrar num vestibular, por exemplo, questões profundamente mais complexas e que exigem uma forma de raciocínio nunca exercitado.

Concordo que todo protocolo de comunicação tem de ter um padrão para garantir que o remetente e o destinatário se entendam (se você não entendeu esta frase, é provável que não seja da área de TI, o que quer dizer que está usando outro tipo de protocolo), mas somos humanos, pombas! Não precisamos de uma especificação tão rígida.

SEMPRE que escrevo um e-mail profissional me sinto inseguro por não ter certeza de que serei bem interpretado. Pois o mundo profissional tem essa mania de cobrar uma linguagem formal. O problema com isso é que a grande maioria de quem escreve tais e-mails desconhece as regras e, o pior, quem lê também.

Minha sugestão não é que elas sejam abolidas, mas que sejam ensinadas de forma mais eficiente e que sejam cobradas no mundo acadêmico e corporativo de forma compatível (e que sejam linchados aqueles bobalhões que só lêem seus e-mail para apontar seus erros gramaticais e ortográficos, ignorando o verdadeiro conteúdo).

Como partidário da Tereza e “parafraseador” dela, penso que o ensino da língua deveria levar menos em consideração o fator “escrever gramaticalmente certo” e mais o “fazer-se entender”.

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3 Replies to “O Que Eu Falo Não Se Escreve”

  1. Tive aula com a Tereza. Hoje meus pais me ligaram para que eu fosse buscar “tralhas” minhas que ainda estavam na casa deles. Pois não é que me deparo com a pasta de dissertações das aulas que tive com ela em 2001? Sabes por onde ela anda?

  2. Gente, tive aula com a Tereza e posso dizer que é a melhor professora que já tive. Hoje estou na faculdade e não me dou bem com a minha professora de Comunicação e Expressão porque nunca esqueci o que aprendi com a Tereza. Já discuti diversas vezes com minha professora atual, cheguei a sugerir leitura de Luft e ela não gostou nada. Guardo minha pasta até hoje e ela serve para meus irmãos, que não tiveram a sorte de entrar na escola no tempo de Tereza Berlowitz. Também gostaria de saber por onde ela anda.

    Abraços a todos.

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