(texto escrito em 28/03/2010)

Lembro-me de um tempo em que o dia de domingo parecia uma festa quase ininterrupta. Não sei precisar a partir de qual idade os domingos se tornaram dias mortos. Não o dia inteiro. Ocorre uma progressão. O dia amanhece bem. Acordar mais tarde, ou melhor, não ter horário para sair da cama é o que faz a manhã de domingo ainda valer a pena. Para mim, como para outros corredores amadores, é a única manhã de descanso da semana inteira. Não há treino de corrida, nem musculação. Há sim, o descanso merecido após o “longão” do sábado. Exceção feita, aos domingos em que há alguma prova e o descanso é compulsoriamente transferido para a segunda-feira.

Entre o café-da-manhã e o almoço inicia-se a decadência. Para os que têm família, irmãos, pais, sogros, etc. cuja visita dominical é uma tradição, começa nesse momento o transtorno. “Onde vamos almoçar hoje?” “Semana passada fomos na casa da sua mãe, vamos na casa da minha hoje, senão você já sabe o que acontece.” “É aniversário da minha avó, temos de ir lá de qualquer maneira!” Lembro dessas conversas no tempo em que essas visitas ainda faziam parte do meu domingo. Felizmente, não passo mais por esse dilema. Mas mesmo assim, sofro com meus questionamentos. “O que fazer para o almoço?” Em dias de prova de corrida, não penso duas vezes. Vamos direto para a churrascaria. Nos demais, depende da minha inspiração culinária. Desde a ausência total de idéias, optando entre o frango assado da padaria e o chop-suey delivery. Até um desejo de fazer algo diferente e tentar alguma receita que minha mãe preparava com perfeição.

Independente do cardápio, após o almoço a decadência continua. Quem foi à casa de algum parente, ainda deve estar à mesa conversando, ou melhor, discutindo problemas de família em que o ponto culminante certamente será a avó ou uma tia idosa reclamando dos modos dos mais novos e da falta de respeito que não existia no tempo dela. Eu, se estiver em casa, vou pra frente da tv assistir algum torneio de poker narrado pelo Gualtinho e pelo Ale Gomes. Se não estiver, é hora de passear no shopping ou visitar algum conhecido. De qualquer forma, nada de mais. Do meio da tarde em diante, independente da programação, a lassidão começa a tomar conta. A perspectiva de que a segunda-feira está inexoravelmente mais próxima desanima qualquer um. Ou quase. Há os felizardos que folgam na segunda. Mas para isso, estão trabalhando no domingo. Não há melhora perceptível.

Depois das 18:00, a degringolada acelera-se. Não há o que fazer. Não há nada que ajude. Nem happy-hour inesperado. Nem sorvete depois do cinema. Nem o arguile com o fumo novo que aquele conhecido trouxe dos EUA. O desânimo avança. Assim como avançava O Nada, no primeiro “Endless story”. Não há o que o detenha. Quando menos esperarmos, já estaremos em casa, pensando nos afazeres do dia seguinte. Quando chega esse ponto, o domingo morreu.

Não há ressurreição possível. Há sim, três possibilidades. Há os que, por falta de opção, sentam-se no sofá da sala de estar com toda a família para assistir Sílvio Santos, Faustão e Fantástico. Há os que, totalmente tomados pelo abatimento, ligam o “foda-se” e sentam-se no sofá da sala de estar para assistir Sílvio Santos, Faustão e Fantástico. E há os que tentam salvar o último suspiro de vida do domingo. Enchem um copo com uísque e gelo e sentam-se no sofá para rever algum bom filme, ler um bom livro ou escrever até o dia clarear.

 

Cristine Tellier
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