huis_clos_small[1]Nunca assisti à peça de Sartre da qual faz parte essa fala, “Huis Clos” (em português, “Entre Quatro Paredes”). Mas apesar disso, penso nela bastante amiúde, nas mais diversas situações. No contexto original da peça, três pessoas vão para o inferno, no caso um aposento mal decorado com móveis velhos e não o local quente e vermelho presente no imaginário popular. Nesse ambiente, são obrigados a conviver com as diferenças, os defeitos, as manias dos outros. Convivência que culmina com um dos personagens proferindo a famosa frase: “O inferno são os outros”. Nessa fala, Sartre sintetizou um sentimento característico do ser humano: a tendência inata de nos eximir de culpa e responsabilizar qualquer outra coisa ou pessoa por nossas vicissitudes. Certamente que em muitas situações, o que nos acontece não é totalmente controlado por nossas próprias ações. Estamos, com frequência, à mercê de agentes externos. Mas assim como Sartre, acredito que assumir a responsabilidade sobre nossos atos é o caminho para conseguir a liberdade plena.

A última ocasião que lembrei dessa frase, foi ao ler uma notícia sobre o suicídio de um professor universitário. É um assunto que sempre me suscita as mesmas perguntas. O que leva uma pessoa ao suicídio? O que faz com que alguém queira tirar a própria vida? O que pode ser tão ruim para que a única solução possível seja a morte? Apesar das questões serem coerentes, há nelas embutida uma falácia. Ao formulá-las, estou pressupondo que haja uma alternativa, uma escolha. Mas na visão de uma pessoa com algum distúrbio neurológico a escolha inexiste. Não há outra opção possível. Não sou especialista, mas creio que alguém com depressão tenha a percepção alterada, de si mesmo, dos outros, do que os outros pensam a seu respeito. Acredito que exista ao mesmo tempo uma supervalorização negativa da opinião alheia em detrimento do “auto-conceito”. E essa inversão da percepção impede que o depressivo enxergue uma alternativa. “Se o que penso, o que sou, vale tão pouco, por que continuar aqui?” É a frase da peça levada ao extremo. O depressivo acaba balizando sua existência pelo conceito que ele acha que os outros têm dele.

Ainda citando Sartre, “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.” Infelizmente, o suicida parece não conseguir perceber essa importância.

Cristine Tellier
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2 Replies to ““L’enfer, c’est les autres””

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