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»» versão do artigo “What being an editor taught me about writing”, escrito por Anna Pitoniak, publicado em 17/01/2017 no Literary Hub ««

Sou editora na Random House, mas nos últimos anos tenho escrito em todas as folgas do meu trabalho: manhãs, noites, finais de semana, qualquer tempo livre que conseguir. Comecei meu primeiro livro (já publicado) enquanto estava trabalhando como editora, e deveo ao meu trabalho a coragem e o ferramental para encarar a escrita de um livro. A verdade é que passar a vida lendo boa literatura – não apenas lendo, mas refletindo sobre o que a torna tão boa – é a melhor maneira de ensinar a si próprio como fazer o mesmo. Para algumas pessoas, isso poderia significar inscrever-se numa pós-graduação. Para mim, tive sorte o bastante de aprender observando outros editores à minha volta e trabalhando em originais enquanto evoluíam de rascunhos a livros finalizados. Foi o melhor ensino de escrita que eu poderia receber. Aqui estão algumas coisas que aprendi ao longo do caminho:

Escrever é revisar

Isso não é novidade para ninguém, mas não canso de repetir. O primeiro rascunho é importante, pois você está trabalhando as ideias e o enredo, e terminar esse primeiro rascinho é uma realização, mas o que importa mesmo é quantas vezes você está disposto a revisar esse rascunho. No meu entender, é onde a missão do trabalho duro – em oposição ao talento inato – aparece. Algumas pessoas são sobrenaturalmente dotadas e conseguem produzir um ótimo parágrafo sem esforço, mas elas não são necessariamente aquelas que estão dispostas a revisar, e revisar de novo, e de novo, até que o desktop do seu computador esteja tão atulhado de rascunhos que não seja mais possível enxergar o background.

Quando você está escrevendo, está tentando comunicar uma ideia para o mundo. No primeiro rascunho, a ideia ainda está expressa em sua própria linguagem particular. São necessárias várias revisões para esclarecer o que você realmente está tentando dizer. Como editora, essas são as anotações que eu mais rabisco nas margens da maioria dos originais: “Esclareça. Não entendi. O que isso quer dizer?”. A linguagem deve ser espremida, muitas e muitas e muitas vezes, para que quando finalmente um leitor abrir o livro, ele possa dizer: “Sei exatamente do que se trata.”

Mantenha-se flexível

Nos primeiros estágios da escrita, é até fácil cortar algumas partes. O primeiro rascunho provavelmente é
uma bagunça, e tudo parece negociável. Mas no momento em que o editor começa a fazer parte do processo, você provavelmente já passou por muitos rascunhos e chegou ao ponto em que a história se estabeleceu. Com o passar do tempo, pode ficar cada vez menos atraente fazer grandes mudanças. A melhor coisa a fazer é permanecer de mente aberta a sugestões – sejam elas pequenas ou radicais. Você pode pensar que é difícil demais revisar um personagem inteiro ou um arco dramático ou um clímax. É assim mesmo, e a inércia é ppoderosa demais para ser subjugada, certo? Errado! Você construiu esse livro sozinho e você o conhece melhor do que ninguém e pode reconstruí-lo se for preciso. Já vi o que acontece quando um escritor quer fazer uma grande mudança em um estágio avançado do processo. Muitas vezes é aquilo que vai dar liga ao conjunto – é o ingrediente mágico final, o umami que estava faltando.

multiple drafts
(foto: http://mrsbarrela.weebly.com/)

O início é o mais importante

A realidade de ser um editor é que lemos originais rapidamente e formamos uma opinião sobre eles a partir de um pequeno número de páginas. O início importa. Importa mais do que qualquer outra parte do livro. Como escritor, você tem isso para fisgar o leitor. Não importa se, depois, o livro estiver recheado de prosa prodigiosa e suspense de tirar o fôlego. E editores não são os únicos que fazem julgamentos rápidos sobre um livro – alguém passeando numa livraria ou que use o “look inside” de uma loja online está fazendo exatamente a mesma coisa. Se o início não for intenso o suficiente, o livro decai. Vale a pena pensar com cuidado sobre o início e gastar mais tempo trabalhando nele. Brinque com ele, tente coisas diferentes. Qual é o momento certo, a voz certa para começar? É forte ou é suave? Você quer levantar a cortina em um momento dramático ou, em vez disso, criar um clima que dê ao leitor um gostinho daquele universo? O início não precisa ter fogos de artifício para ser cativante. Mas ele tem de ser cativante. Pode não ficar claro como o início deve ser até que o livro esteja terminado, então não se preocupe com isso imediatamente. Escreva, depois volte para decidir onde ele deve começar.

peanuts - snoopy writing

Preste atenção ao ritmo

Ritmo é uma daquelas coisas que eu nunca tinha realmente pensado a respeito até ser editora. Como leitor, parto do princípio que tem de existir mesmo sem saber como funciona, assim como assumo que um carro deve andar sem solavancos mesmo sem saber nada sobre sua suspensão. É um dos aspectos mais mecânicos da escrita e, para muitos escritores, é preciso prática para se tornar ciente do ritmo. Como editora, você começa a ver que há pontos de virada, trechos em que você percebe sua atenção vagando e onde o ritmo deve ser incrementado. Às vezes, isso significa inserir um gancho: uma nova questão ou um novo conglito que precisa ser resolvido, que irá manter o leitor virando as páginas. Às vezes, significa despojar a prosa: uma vez que o leitor esteja imerso na história, o escritor não precisa mais fornecer tantos detalhes e contextualizações (um leitor consegue preencher isso por si só) e a história pode avançar mais rápido. Ritmo não necessariamente precisa ser a primeira preocupação do escritor, mas é algo a ser trabalhado depois que tudo foi escrito.

Turning_pages

Ignore as marcações cênicas

Algo que sempre percebo quando estou editando – e que percebo bastante na minha própria escrita – é a encenação excessiva. Quando estou trabalhando uma cena em minha mente, tenho a tendência de imaginar o personagem se movendo num espaço físico e escrevo a cena refletindo isso: ela atravessou a sala, ela abriu a porta, ela se sentou, ela se lenvantou, etc. Para levar meu personagem do ponto A ao ponto B, precio visualizar cada parte do trajeto. Mas quando estou editando trabalhos alheios, eu sempre corto esse tipo de marcação cênica (e estou tentando melhorar na edição a partir do meu próprio trabalho). É peso que afunda a história. Não precisamos saber como o personagem atravessou a sala para acreditar que ele o fez. Não estou dizendo que movimentos não importam – é claro que importam! Toda regra é feita para ser quebrada e às vezes é necessário saber como um personagem atravessou a sala. Mas se você vai contar isso ao leitor, é bom que seja por um bom motivo. O que me traz ao próximo ponto.

arrows - stage direction

Pare de limpar a garganta

Acho que marcações visuais, como as citadas acima, são uma forma de “limpar a garganta”, mas isso pode vir em vários formatos. Às vezes é uma longa e intrincada descrição sensorial. Às vezes é um diálogo que é apenas um ping-pong entre personagens. Às vezes é alongar um momento insignificante. Essas são coisas que eu tendo a marcar, como editora. Se sua existência não é justificada, então por que está ali? Frequentemente parece uma preparação para chegar ao ponto que realmente interessa – e se você está pedindo ao leitor para ficar com você por centenas de páginas, é bom atingir esse ponto com agilidade. Cada frase ou trecho deve ter uma função, seja mover a ação adiante, seja desenvolver um personagem, seja aprofundar uma emoção ou qualquer outra coisa que realmente incremente a narrativa. Desconfio que a escrita não deve apenas ser bela. E se você me convenceu que um personagem é de um jeito, você não precisa ficar me convencendo disso a todo momento.
É difícil ser tão implacável consigo próprio nos primeiros rascunhos. Você precisa ter a história bem estruturada antes de começar a olhar o que é necessário e o que é supérfluo. Isso é a grande vantagem da escrita. Você pode ser bem mais articulado no papel do que na vida real. Você pode pigarrear e gaguejar quando fala, mas na escrita, você tem a oportunidade de retornar e eliminar toda “limpada de garganta”.

let-me-clear-captain-kirk

O que está no papel é o que importa

Foi a coisa mais importante que aprendi sendo editora e talvez a mais útil nas últimas etapas de escrita. Se você for um escritor que consegui um editor para seu livro, isso é maravilhoso. Mas é importante lembrar que em breve o trabalho estará fora do seu alcance. Você não será capaz de controlar completamente como seu trabalho será exposto para o mundo. Você certamente não será capaz de controlar como ele será recebido. O que você pode controlar é o que está no papel. Sendo editora, vi muitos originais inflamando-se como incêndios em casas editoriais – as pessoas liam, ficavam apaixonadas, não conseguiam esperar para falar a respeito com seis colegas. Essa é a magia que todos esperam. Mas o escritor é incapaz de planejar nada disso. A única coisa que o escritor pode fazer é escrever o melhor livro que conseguir. Mesmo quando você estiver cansado, de olhos turvos, enjoado de sua escrita, quando você não aguentar outro round de copidesque e revisão, vale a pena perguntar a sim mesmo se você conduziu a história o mais longe que podia. É o melhor que ela pode ser? Está satisfeito com ela? É para isso que você deve se esforçar, pois isso sempre pertencerá a você – essa satisfação e esse orgulho – não importa o que aconteça quando a escrita for exposta ao mundo.

typewriter desk
(foto: http://www.atalantecorsi.it/)
Cristine Tellier
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6 Replies to “O que ser um editor me ensinou sobre escrita”

    1. Olá Matheus,
      Não sou editora da Random House, a autora do artigo é.
      Conforme está descrito no início do post, o texto é uma versão do artigo “What being an editor taught me about writing”, escrito por Anna Pitoniak, publicado em 17/01/2017 no Literary Hub.

      Abraços e boas leituras.

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