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Administrando expectativas

Ser pai exige, entre outras coisas, um certo controle de expectativas. É domingo, oito horas da manhã (hoje estreia o horário de verão, então são, na verdade, sete horas). Sou despertado pela introdução de Smoke on the water. Ok, é uma excelente música, mesmo assim, SÃO SETE HORAS DA MANHÃ DE DOMINGO. Descubro que vem de um joguinho, instalado no tablet, que minha filha está jogando incansavelmente.

Aproveitei sua repentina empolgação pela música e propus lhe ensinar a tocar Smoke on the water no violão de verdade. Ela topa! Eu me encanto! Ficamos não mais que cinco minutos com “dedinhos aqui, dedinhos ali, toca assim, toca assado”. E ela olha para mim e diz “pai, eu prefiro tocar no tablet.”

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Há anos venho tentando despertar o interesse dos meus filhos pela música. Comprei teclado, bateria, violão, paguei aulas, toco e canto pra eles… Nada. Tudo que querem são os malditos tablet e vídeo game, que procuro restringir ao máximo. Mas tudo bem, vou continuar tentando…

Enquanto isso, deixe-me falar do assunto mote: esta semana encontrei por acaso um artigo, de 2013, mas ainda atual, que comenta sobre a “pobreza de espírito” dos escritores brasileiros contemporâneos (leia-o aqui). O autor, André Forastieri, adotando um tom bastante melancólico, comenta uma pesquisa realizada cujo resultado ressalta a falta de criatividade e a produção rasa dos tupiniquins.

“Me recomendam este e aquele autor nacional. Compro, leio quinze páginas e despacho pro sebo, raras exceções. O problema não é o País de origem dos autores. É o universo ficcional e existencial dos autores e personagens. Não queremos saber dos problemas dos senhores letrados de classe média e meia-idade, suas neurinhas, fantasias e infidelidades. Simplesmente não é tão interessante assim.”, diz ele.

Trocando em miúdos, boa parte do que sai nos livros contemporâneos reflete a personalidade pobre e limitada da sociedade e seus vícios, com preconceitos e estereótipos sociais. Não há protagonistas negros, não há mulheres fortes (mesmo quando é uma autora), não há riqueza na história, nem mesmo quando se trata de uma história fantástica.

Além disso, os personagens são nada mais do que cópias cartunescas de seus criadores. Se o autor é um jovem jornalista, o livro será sobre a aventura de um jovem jornalista. Se é um professor de meia idade, será o drama da vida (pouco interessante) de um professor de meia idade e assim por diante.

Tudo, para parafrasear Forastieri, é plágio velado do que faz sucesso lá fora. E a matéria termina desesperançosa. Sem promessas de um amanhã melhor. Convenhamos… Ele tem certa razão.

Mas… Analise através de uma perspectiva mais otimista: o Brasil é um país sem leitores. Nossa educação nos primeiros anos de escola marca a leitura como imposição e, não raro, somos ensinados por professores que não são leitores. Partem do princípio de que o aluno é incapaz de interpretar. Tolhem a criatividade infantil com formalismos cruéis. Como esperar que saiam daí gênios da arte da escrita?

escritor

Você vai dizer agora que meus argumentos não são nada otimistas. Mas são. Deixe-me tentar explicar: temos de ter certa indulgência para com o escritor brasileiro. Diante deste cenário tétrico, ainda assim surgem escritores. E são uma minoria necessária. O fato de seu conteúdo ser raso e repetitivo é reflexo de duas coisas: sua imaturidade como artistas literários e o pequeno reduto de seu mundo literário.

Se fôssemos um país que consumisse toneladas de livros por ano, a falta de variedade não teria desculpa. Analisando, contudo, o cenário atual, é um fenômeno previsível e por isso, desculpável.

Em minha vida literária, digo a todos que sua vida ou história contada daria um bom livro. Seja quem for, seja sobre o que for, eu digo, escreva! Temos carência de concorrência, temos carência de mercado, temos carência de profissionais gabaritados. Porém, mordiscar esta ferida só a faz sangrar. Não traz benefício algum. Críticos especializados descem a lenha inescrupulosamente no escritor nacional contemporâneo simplesmente pelo prazer de vê-lo ruir.

Penso diferente: ninguém merece nota zero. O esforço de lançar um livro em nosso país vale o mérito, por pior que seja seu conteúdo. E, além disso, se a estatística mostra que apenas 1% dos livros lançados são bons, precisamos ter em mente que 1% de 100 é 1. Mas 1% de 100.000 é 1.000. Ou seja, se tivéssemos mil títulos geniais, dentre 100mil porcarias, a estatística seria a mesma, mas o número de escritores geniais seria muito mais expressivo.

Como um pai otimista que espera que seus filhos venham a se interessar pela música, espero ardentemente que os escritores brasileiros despertem para o profissionalismo literário – e conto com isso financeiramente, inclusive! Falar mal deles, julgar suas obras como fracassos em escala nacional é crueldade. Somos uma nação que está despertando lentamente para o mundo das letras. Não se pode exigir uma sinfonia de quem está apenas aprendendo as primeiras notas. Tudo começa com “dedinhos aqui, dedinhos ali”.

monteiro-lobato

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2 Replies to “Dedinhos aqui, dedinhos ali”

  1. Genial, obrigada pelo texto!

    Nunca tinha conseguido concatenar – sequer em uma conversa – esse pensamento de que “O esforço de lançar um livro em nosso país vale o mérito, por pior que seja seu conteúdo. E, além disso, se a estatística mostra que apenas 1% dos livros lançados são bons, precisamos ter em mente que 1% de 100 é 1. Mas 1% de 100.000 é 1.000. Ou seja, se tivéssemos mil títulos geniais, dentre 100mil porcarias, a estatística seria a mesma, mas o número de escritores geniais seria muito mais expressivo.”

    Ler seu texto foi mais um fôlego pra voltar pro meu dedinho aqui, meu dedinho ali! 😉

    Abraços!

    1. Oi Jana! Eu quem agradeço a visita. Fico feliz por tê-la inspirado. Afinal, este é o nosso objetivo: fomentar este 1% de escritores fantásticos do qual você faz parte.
      E, saiba, publicar não é tão complicado assim. Nos procure que nós ajudaremos. 😉
      Beijo.
      D.

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