Como leitora voraz que sou, estou sempre procurando informações sobre (ainda mais) livros para ler. Por vezes, para saber um pouco sobre o livro mais recente daquele autor cuja produção anterior não me conquistou. Ou para decidir entre duas leituras. Ou apenas para saber das novidades. Tenho no meu feed aqueles blogs/sites cativos, mas também procuro ler outras fontes. E, infelizmente, em alguns casos, o que eu encontro, mesmo se autodenominando resenha, é uma sinopse seguida (ou não) de uma impressão de leitura bem básica – “gostei”/ “não gostei”. E não é apenas isso que eu busco. Nesses casos, soma-se à decepção por não achar o que procuro uma certa irritação por esses sites estarem vendendo gato por lebre – por má fé ou pura ignorância, não sei.

A resenha acadêmica segue um modelo, assim como todo o resto. Subdivide-se em resenha crítica, descritiva e temática. É um trabalho acadêmico que inclui a exposição do conteúdo de livro ou artigo e sua apreciação. Consiste em leitura, resumo e crítica, com a finalidade de dar um parecer sobre o material.

Na resenha crítica – a mais comum – há itens obrigatórios que devem constar do trabalho:

  1. identificação da obra;
  2. apresentação da obra;
  3. descrição da estrutura;
  4. descrição do conteúdo;
  5. análise crítica;
  6. recomendação (público-alvo);
  7. identificação do autor.

Na resenha descritiva, os itens são os mesmos, excluindo-se o quinto, pois não há análise. E na temática, os itens também são os mesmos, contudo aborda-se um tema, utilizando-se vários textos com um assunto em comum.

como escrever resenhas

Conforme o dicionário Priberam, a definição de resenha corresponde a:

    Substantivo feminino

  1. Enumeração.
  2. Relação.
  3. Descrição minuciosa.
  4. Resumo detalhado de um texto.
  5. Análise crítica de um artigo ou de uma obra.

Não somos experts no assunto, estamos sempre aprendendo. No que se refere aos textos publicados aqui no blog – e, suponho eu, na maioria dos blogs literários – a quinta definição é a que almejamos, é nosso objetivo. Digamos que seja uma versão mais informal da resenha crítica descrita acima. O que nos leva à primeira diretiva:

Resenha não é sinopse

A sinopse é importante? Sim, mas não é uma resenha. A ideia da sinopse é apresentar o livro ao leitor, falando um pouco sobre o que se trata a história, um pouco sobre os personagens – se for mesmo necessário – e do gênero literário em que se enquadra a obra – terror, romance, chic-lit, etc. Não estou afirmando que a resenha não deve conter uma sinopse, mas que não deve se limitar a isso. Não é para ser um resumo detalhado do livro. É bom que seja breve e concisa, dando insumos suficientes para o leitor resolver se a temática ou o estilo são do seu interesse. Pode-se utilizar a sinopse que às vezes vem no próprio livro? Ou a do site da editora? Eventualmente, sim. Nada impede. Porém, é preciso atentar a duas coisas:

  • muitas vezes a sinopse é tendenciosa, afinal, o intuito da editora é incentivar a venda do livro. Em alguns casos funciona como uma propaganda e pode não refletir exatamente o conteúdo do livro.
  • não se esquecer de colocar a fonte. Afinal, o texto não é de autoria do resenhista, certo?

Resenha não é opinião

O próprio nome já indica: a resenha é crítica, não opinativa. É proibido incluir a opinião na resenha? Não, de modo algum. Mas se tiver apenas a opinião, deixa de ser uma resenha e passa a ser uma impressão de leitura. Resenhar não é (apenas) falar “gostei” ou “não gostei” – seja da obra como um todo, seja de algum de seus aspectos. A análise crítica é o embasamento da opinião. O resenhista PODE dar sua opinião e DEVE justificá-la analiticamente.

E quais aspectos analisar?

  • a trama: é uma ideia boa, original, criativa? é uma nova visão de algo já “manjado”? a trama é bem amarrada ou há inconsistências? há algo que poderia ter sido resolvido de um modo diferente? é necessário algum conhecimento prévio para acompanhar a história?
  • a narrativa: o texto flui bem ou é arrastado? a leitura é cansativa ou instigante? é bem estruturada? é descritiva demais (ou de menos)?
  • a linguagem: o autor é mais coloquial ou mais erudito? a linguagem está adequada ao ambiente em que se passa a história? está adequada ao gênero do livro?
  • o narrador: a história é narrada em primeira ou terceira pessoa? há mais de um ponto de vista? o narrador é imparcial ou intrometido?
  • os personagens: são interessantes, carismáticos ou chatos? são bem desenvolvidos? têm características diferenciadas entre si?
  • os diálogos: são verossímeis? usam vocabulário adequado ao personagem? são longos demais? ou curtos demais? os personagens realmente diriam aquilo daquela maneira?
  • o livro em si: a encadernação é boa? e a impressão? o papel? e a diagramação? se for um livro traduzido, qual a qualidade da tradução? a revisão foi bem feita ou há erros de ortografia?

Não é mandatório falar a respeito de todos. É interessante que, ao falar de algum deles, o resenhista mostre ao leitor em que aquele aspecto se destaca, o que o faz diferente e, consequentemente, mais interessante (ou não) que em outras obras. Transcreva trechos que confirmem sua análise. Uma boa resenha pega os aspectos que mais se destacam na obra e foca neles. Citar obras de referência, fazer comparações e dar exemplos são uma ótima abordagem. Além de demonstrarem que o resenhista tem bagagem literária, auxiliam o leitor a situar a obra.

E obviamente é possível ir além. Pode-se discorrer sobre a influência da situação político-econômico-social do período em que o livro foi escrito na temática , por exemplo. Ou sobre a influência da temática no estilo de escrita do autor. Ou, caso o resenhista conheça a biografia do escritor, pode-se identificar que este ou aquele personagem é o alter-ego do autor e que, por conseguinte, suas ideias foram expressas através das falas desse personagem. Há inúmeras abordagens possíveis.

Pode-se falar um pouco a respeito do autor e sua obra. Como também do lançamento do livro, das ações promocionais feitas pela editora, do desempenho nas vendas. Não são informações essenciais, mas complementam a leitura, e alguns leitores se interessam por elas. É uma boa forma de iniciar a resenha, dedicando-se em seguida ao livro especificamente.

E, por último, mas não menos importante: NUNCA personifique a resenha. A crítica é sobre o livro, não sobre o autor.

John Updike, autor de As bruxas de Eastwick, formulou algumas regras – publicadas em Picked-Up Pieces: Essays – para uma boa crítica jornalística, que merecem ser consideradas:

  1. Tente entender o que o autor quis fazer, e não o culpe por não conseguir fazer aquilo que não tentou.
  2. Transcreva trechos da prosa do livro em extensão suficiente – pelo menos uma passagem mais longa – para que o leitor da resenha possa formar sua própria impressão.
  3. Confirme sua descrição do livro com uma citação do próprio, mesmo que só uma frase, em vez de fazer apenas um resumo vago.
  4. Vá devagar com o resumo da trama, e não entregue o fim.
  5. Se o livro for considerado deficiente, cite um exemplo bem-sucedido de outro que vá na mesma linha, seja ele tirado da obra do mesmo autor ou de outro. Tente compreender o fracasso. Tem certeza de que o fracasso é do autor e não seu?
  • A essas cinco regras concretas eu poderia acrescentar uma sexta, mais vaga, que tem a ver com manter a pureza química da reação entre produto e avaliador. Não aceite para resenhar um livro do qual esteja predisposto a não gostar, ou comprometido por amizade a gostar. Não se imagine como o guardião de alguma tradição, um capataz dos padrões de conduta de um partido, o guerreiro de uma batalha ideológica, um agente penitenciário de qualquer tipo. Nunca, nunca (…) tente pôr o autor “no seu devido lugar”, transformando-o em peão de uma disputa com outros resenhistas. Critique o livro, não a reputação. Submeta-se a qualquer feitiço, fraco ou forte, que esteja sendo lançado. Melhor elogiar e compartilhar do que acusar e banir. A comunhão entre o resenhista e seu público se baseia na presunção de certos prazeres possíveis da leitura, e todos os nossos juízos devem se curvar a esse fim.
  • P.S.: Se você chegou até aqui, parabéns! 🙂
    Sua paixão pela leitura não se intimidou com a extensão do texto, reafirmando a intenção de continuar se aprimorando, assim como nós aqui no blog.
    writer

    Cristine Tellier
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    36 Replies to “Como escrever uma resenha?”

    1. Gostei muito do artigo. Não gosto de chamar meus textos de resenha, pois acho que irá limitá-lo. E nem sempre sigo os itens de uma resenha. Mas foi bastante interessante. Quem sabe passo a incluir alguns dos itens nos meus textos? A escrita do artigo é bastante fluida e foi bastante gostoso de lê-lo. Agradeço pelas dicas… Beijos!

    2. Fantástico essa matéria, gostei muito e foi de uma importancia grandiosa a leitura. Faço resenhas para o leitor cabuluso e creio que esse texto me ajudou a expandir a maneira correta e agradável de escrever uma resenha. Já está nos meus favoritos o site parabéns e um ótimo trabalho.

    3. Sensacional esse post! É tudo o que tenho a dizer!
      Eu achei que só eu estivesse cansada de ver blogs publicando resumos ao invés de resenhas…
      E com certeza aproveitarei muitas dicas para as minhas resenhas daqui em diante! =)
      Todos os blogs literários deveriam ler esse post!
      Parabéns!

      Aline
      literalizandosonhos.blogspot.com.br

    4. Há esperança no mundo! 😀

      Obrigado pelo serviço prestado! Os autores, jornalistas e leitores agradecem! Não elogio um texto há meses e o seu merece a quebra do jejum!

      abs,
      Fábio
      “Filhos do Fim do Mundo”

    5. Gostei muito do texto, parabéns! É por alguns desses motivos que não me atrevo a resenhar; isso é muito mais complexo do que muita gente acha. É por isso que meus comentários sobre os livros que li, no meu blog, estão no marcador "divagações", hehe.

    6. Opa Cris. Que texto bem feito! E a quantidade de referências é de pasmar haha

      Enfim, uma coisa me saltou a mente aqui lendo. Não ter opinião é o mesmo que não haver resenha, não? Porque pense, se for uma resenha acadêmica eu simplesmente assinalo o que disse durante todo o texto, sem tirar nem por, mas muitas vezes o leitor verifica a resenha com intuito de saber se o livro agrada ou não, se a opinião de quem resenhou e os pontos citados também batem para ter uma margem se o livro realmente vale a pena.

      Tem um site exemplifica isso muito bem, da forma que estou habituado pelo menos, (bookwormcienstist.com) e acontece que conheci muitos livros bons, tanto como aqueles ruins da qual eu sinceramente não iria querer gastar meu tempo lendo. Afinal lista de leitura é uma coisa que nunca para de crescer, só tende ao infinito e com mais e mais livros, prioridade pro que é bom é no mínimo uma regra.

      1. Olá Atlas,
        Vendo por esse lado, faz sentido. Poderíamos dizer que a opinião é a “origem” da resenha, mesmo não sendo seu embasamento.
        Pode ocorrer – e afirmo que foram poucas vezes – que a análise da obra aponte inúmeras qualidades, mas que mesmo assim eu, a Cristine leitora, não tenha gostado. Ou vice-versa.
        Enfim, a resenha não deve ser meramente opininativa. Principalmente quando alguém a lê – como você bem disse – “com intuito de saber se o livro agrada ou não”. Ela deve apresentar argumentos sólidos para que o leitor (da resenha) tenha subsídios para decidir se a leitura valerá a pena. Parafraseando um meme famosinho: “A vida é muito curta para ler livros ruins.” 🙂

        Abraços e boas leituras!

    7. Bom dia,
      foi muito esclarecedor, pois veio com uma leitura fácil de ser compreendida,
      agora mãos á obra e tentar desenvolver a minha com essa ajuda.
      Ana Maria de Oliveira.

    8. Olá Cristine, adorei o texto. Gostaria de começar a escrever resenhas, até para absorver melhor os livros que leio. Seu conteúdo foi muito útil, parabéns!
      Aproveitando o assunto, gostaria de saber na sua opinião quais são os blogs que para você apresentam boas resenhas?
      Obrigada pelo texto.

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